quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Livre-arbítrio(?) 2: de outro ângulo

Olá!

Conforme prometido, e com um inescusável atraso, posto alguns argumentos que sustentam o ponto de vista contrário à posição defendida no post sobre livre-arbítrio. São as vozes dos outros 99% (?) do mundo que clamam por seu espaço aqui, afinal, a proposta é variar o repertório!

O dogma da liberdade, da vontade humana livre está presente nas discussões de vários campos do saber, sendo mesmo base para muitas explicações acerca do funcionamento de nossas estruturas de controle social. Na verdade, é o que sustenta a própria noção de controle mais difundida. A explicação é simples: se há uma margem de liberdade na conduta de um indivíduo, a permitir que ele opte livremente por agir em um sentido ou outro(s), então ele é responsável por suas ações, quando estas implicam consequências socialmente relevantes.

Assim, no Direito Penal, por exemplo, a verificação da culpabilidade (reprovabilidade da manifestação da vontade humana livre) constitui elemento essencial para a aplicação da lei. Isso quer dizer que só pode ser responsabilizado por um ato danoso que tenha praticado, quem tem liberdade para se portar de outra forma.

Há inúmeros dispositivos do nosso Código Penal que partem desse pressuposto geral:

"Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados."
"Art. 18 - Diz-se o crime:
Crime doloso
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente."
"Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível."
"Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 2º - Somente se procede mediante representação."
"Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência."
O rol é bem grande.
Por sugestão do meu camarada editor do Jus Navigandi, li o texto do advogado e pesquisador em Ciências Criminais, Pablo Rodrigo Alflen da Silva, que me pareceu um bom exemplo de uma tentativa de se conciliar o ponto de vista tradicionalmente adotado na Filosofia do Direito com as implicações das ciências naturais, nos moldes do compatibilismo filosófico.

Nas palavras do autor: "(...) a concepção tão só parte da premissa de que, apesar do homem estar determinado (assim como concluíram as recentes pesquisas da neurociência), na ausência de fatores impeditivos, há uma margem de racionalidade que lhe permite tomar decisões livres. Com isso, sob esta perspectiva seria plenamente possível fundamentar positivamente o conceito de culpabilidade, a partir da análise do agir em um contexto avaliador."
Se a alguém interessar ler o artigo, este é o link:

Em breve voltarei a falar desse tema, mas sob outros focos que me interessam bastante: em que consiste o que chamamos de sensação de liberdade? Há formas de controle social que seguem outros moldes, de forma a propiciar uma maior sensação de liberdade?

2 comentários:

  1. Muito bom ver você de volta à ativa aqui no blog, Gustavo! Parabéns de novo!

    É claro que achei que os argumentos dessa segunda parte são bem mais "fracos" que os da primeira parte - imaginei que também por você não os aceitar... Mas acho bem interessante os exemplos da legislação que você apresenta. E fico curioso para ver suas respostas às perguntas que você "deixou no ar" no final do post.

    Abraço!
    Angelo A. S. Sampaio

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  2. Então, Ângelo! Obrigado, mais uma vez :)Esta sistemática de argumentar x contra-argumentar é o mais arriscado dos desafios que estou me propondo. É muito difícil dar um tratamento "justo" quando você já se convenceu em algum sentido. Imagina só quando começar a postar sobre religião...

    Grande abraço

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